quinta-feira, 30 de junho de 2011

O Esporte e os Antigos

Na primeira parte de Bilhões & Bilhões, Sagan nos intriga ao abordar o estranho fascínio que sentimos por jogos esportivos. Seriam eles resquícios de nossa identidade primitiva, indícios da sobrevivência dos melhores caçadores e lutadores, parte do espírito de uma nação.


"(...) abandonamos tudo para observar as pequenas imagens em movimento de 22 homens - colidindo uns com os outros, caindo, levantando e chutando um objeto alongado feito com a pele de um animal. De vez em quando, tanto os jogadores como os espectadores sedentários são levados ao êxtase ou ao desespero pela evolução do jogo. Em toda parte, nos Estados Unidos, as pessoas (quase exclusivamente homens), paradas diante das telas de vidro, torcem ou resmungam em uníssono.
Descrito dessa forma, parece estúpido. Mas, quando se adquire o gosto pela coisa, é difícil resistir,  e falo por expriência própria. Os atletas correm, saltam, batem, deslizam, lançam, chutam, derrubam - e há uma emoção em ver os humanos fazerem tudo isso tão bem. Eles brigam entre si até caírem no chão. Gostam de agarrar, tacar ou chutar um veloz objeto marrom ou branco. Em alguns jogos, tentam levar o objeto para o que é chamado de "gol"; em outros, os jogadores  se afastam e depois retomam "para casa".
O trabalho de equipe é quase tudo, e admiramos como as partes se encaixam para formar um todo triunfante.
Mas essas não são as habilidades com as quais a maioria de nós ganha o pão diário. Por que nos sentiríamos compelidos a observar pessoas correndo ou dando golpes? Por que essa necessidade aparece em todas as culturas? (Os egípcios, persas, gregos, romanos, maias e astecas antigos também jogavam bola. O pólo vem do Tibete.) Há craques dos esportes que ganham cinquenta vezes o salário anual do presidente; outros que são eleitos para altos cargos depois de aposentados. São heróis nacionais. Porque exatamente?
 Há algo nessa questão que transcende a diversidade dos sistemas político, social e econômico. Algo primevo nos atrai. A maioria dos esportes mais importantes está associada a uma nação ou cidade, e eles contêm elementos de patriotismo e orgulho cívico. O nosso time nos representa - o lugar onde vivemos, o nosso povo - contra aqueles outros sujeitos de um lugar diferente, habitado por um pessoal desconhecido, talvez hostil.


(...) Os esportes competitivos são conflitos simbólicos, mal disfarçados. Isso não é uma ideia nova. Os cherokees chamavam sua antiga forma de lacrosse de "o irmão pequeno  da guerra"
Um sentimento frequentemente citado do falecido técnico de futebol profissional Vince Lombardi é que o importante é vencer. O ex-técnico dos Washington Redskins, GeorgeAllen, dizia o mesmo da seguinte maneira: "Perder é como morrer". Na realidade, falamos de ganhar ou perder uma guerra tão naturalmente como falamos de vencer e perder um jogo. 
Numa propaganda televisiva de recrutamento do Exército dos Estados Unidos, vemos as consequências de um exercício de guerra armada, em que um tanque destrói outro. Como slogan, o comandante do tanque vitorioso diz: "Quando vencemos, todo o time vence - e não apenas uma pessoa". A conexão entre o esporte e o combate fica bem clara.
(...) O que procuramos é a vitória sem esforço. Desejamos ser envolvidos em algo parecido
com uma guerra pequena, segura e bem-sucedida."

Já Hans Ulrich Gumbrecht nos expõe, em seu livro Elogio da Beleza Atlética, a dimensão estética da arte dos esportes, que seriam admirados no mundo todo como obras de arte. Assistir a um evento esportivo corresponderia a uma experiência estética, tal qual apreciar um concerto ou uma pintura.

 "Nem sempre é preciso ser objetivamente o melhor [atleta] de todos os tempos ou o maior do mundo para que o esporte transfigure seus heróis aos olhos dos espectadores apaixonados. Para viciar no esporte, basta uma distância entre o atleta e o espectador - uma distância grande o suficiente para fazer o espectador acreditar que seus heróis vivem em outro mundo. É assim que os atletas se transformam em objetos de admiração e desejo."

São duas visões diferentes acerca do fascínio que cerca os esportes, mas muitos diriam complementares. Há beleza em uma partida de futebol, assim como se faz presente nosso instinto primitivo de caça e luta. Somos tragados inconscientemente por nossos instintos primevos, que voltam à tona ao se verem diante dessas "competições seguras", em que podemos saciar nossos ímpetos sem causar maiores danos.

Há ainda o teor "pão e circo" do esporte, que seria um meio alienador da população para que não se inteirasse dos meandros esquivos do governo. Mas isso é uma outra discussão... 

 

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